sábado, 22 de novembro de 2014

Minha "recherche"

Sou uma carroça cujas rodas foram retiradas há muito, para que eu ficasse quietinha no lugar a que pertenço. Sou uma carroça carregada a cuja carga só tem acesso quem quiser vir até ela. Mas, algum tempinho atrás, alguém recolocou as rodas na carroça e a fez andar.

Passei uma semana fora de minha casa, decisão que levei muitos meses para tomar e que me trouxe imensa satisfação. E eu detesto viajar: estar no meio de transporte não é problema, é a locomoção. Odeio as estações. Todas. Mas, tomada a decisão, passagem comprada e ameaça filial ("se você não for, transformaremos sua vida num inferno essa semana"), desci no Rio em 17 de outubro, obra de Claudia e Alfredo Caldeira que me convidaram para passar um fim de semana na casa deles, em Teresópolis.

Gemada, apelido de infância de meu amigo, que tinha um irmão gêmeo, (o Gemão evidentemente) me esperava no aeroporto; não nos víamos há uns 40 anos e nos reconhecemos imediatamente. Daquele momento em diante até eu me despedir dele no domingo, conversamos como se nos tivéssemos visto no dia anterior. As amizades da infância e da juventude ficam mesmo para sempre. Lembramos da infância, falamos de nossas respectivas famílias, trajetórias pessoais e profissionais, de amigos comuns, do mundo. 


Alfredo, eu, Claudia, Bel e Gustavo
Claudia e Alfredo, casados há muito tempo, foram anfitriões de primeira grandeza. Têm uma casa muito inglesa, cuidada e elegante. Claudia é um talento e tanto na condução impecável da casa. Demo-nos bem e conversamos muito também. O lugar é lindo, não se ouve barulho urbano, a casa na serra, cercada pela mata. Mimaram-me o tempo todo, não me deixavam nem tirar a louça da mesa. E o bolo de laranja da Claudia, dos melhores que comi na vida.

Levaram-me para conhecer o Orquidário Aranda - maravilhoso -, depois fomos almoçar num restaurante tradicional cujo nome não lembro e visitamos a Villa 
St. Gallen, reprodução de um vilarejo suíço que é uma graça. 


Gustavo, eu, Alfredo e Claudia

o chef e sua sobremesa
Fomos dormir muito tarde no sábado, e quando acordei no domingo, encontrei uma mesa lindamente posta: Alfredo preparou um almoço (sim, além de amigão, gentil e educado, ele cozinha!), uma bela salada, escondidinho de camarões, massa espinafrada para Bel Aguiar e Gustavo Mascarenhas que são vegetarianos e foram  convidados para almoço, e o grand finale, peras ao molho de hortelã e chocolate. E mais conversa e mais recordações. 

Gemão e Gemada: tínhamos medo deles porque eram muito grandes e andavam em dupla. Mas no condado do Humaitá, como dizia meu pai, brincamos muito juntos, meninas e meninos se misturavam em pega-pega, pique-bandeira, queimada, descidas de patins, bicicletas e carrinhos de rolimã (estes, sempre na carona) no corredor da vila ao lado. Levados, todos éramos e todos crescemos gente de bem, tornamo-nos responsáveis e formamos famílias. É bom reconhecer que há amigos para sempre. O Gemada é um deles. 


sexta-feira, 28 de março de 2014

Marcelo Jorge, porque Fagá era profissional



Na cozinha

http://www.1001receitas.com
- Vamos fazer um bacalhau?
(Quando ele dizia vamos, ele usava o plural majestático, referia-se a mim, naturalmente.)
- Não quero, estou com preguiça.
- Eu faço.
- Então, faça.

Havia um supermercado Eldorado no final da rua Pamplona que tinha uma excelente seção de importados. Volta o Marcelo com o bacalhau, vinho verde português de que gostava muito, batatas, couve, ovos e alho. Ele vai fazer o bacalhau, mas...

- Crisê, como faz para tirar o sal?
- Bota na água, né Marcelo.
- Quanto tempo?
- De um dia para o outro.

Vinho aberto, televisão ligada, Cristina lendo. Dia seguinte, sábado, acordo tarde, crianças também, baita cheiro de bacalhau na casa inteira. Marcelo vendo televisão, bacalhau cozinhando.

- Crisê, vem ver. Como faço os legumes?
- Cozinhe o ovo separadamente. Ferva a água e coloque os legumes. Vá tirando à medida que fiquem macios.

Nova ida ao supermercado, dessa vez o vinho é tinto.

- Bacalhau pronto.
- Oba.
- Ficou bom?
- O bacalhau, sim, mas os legumes estão horríveis.
- É. Cozinhei na água em que demolhei o bacalhau para dar um saborzinho extra.

Esclarecendo a TV

Ao contrário de mim, Marcelo era viciado em televisão. Chegávamos de viagem, segurava a porta do elevador com uma mala, entrava em casa, ligava a TV e só depois punha a bagagem para dentro. Assistia a todos os noticiários possíveis, jogos de futebol, todos, esportes em geral, até campeonato de sinuca. Foi o único "não" redondo que lhe dei: TV no quarto, jamais. Ele fazia tudo diante da TV: comia, bebia, falava ao telefone, trabalhava, lia, estudava. Eu só mandava na TV quando assinamos o cabo e às 8 e 30, terminado o Jornal Nacional, mudava para a HBO que sempre transmitia um filme nesse horário. Quando ele estava em casa, a TV ficava ligada 24 horas por dia.