segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Coq au vin ou Galo à moda de Bourgogne

Georges Simenon era um favorito do meu pai, especialmente os livros do Inspetor Maigret. Durante a década de 80, a Nova Fronteira publicou 20 dos romances policiais do inspetor e, claro, comprávamos à medida que apareciam nas livrarias. Prolífico escritor, Simenon publicou 75 novelas e 28 contos em que Maigret aparecia. Os 20 volumes então publicados estão sob a guarda da Maria Fernanda e, de vez em quando, vamos até lá matar as saudades.


Maigret é um personagem extraordinário: quanto mais leio, mais acredito que os bons escritores são aqueles que gastam menos palavras - buscam, selecionam, escolhem a pertinência do vocábulo e, em poucas linhas, caracterizam personagens, descrevem ambientes e narram os fatos pertintentes. Simenon tem essa habilidade e consegue criar um homem, inspetor-chefe da Polícia Judiciária Francesa, com reputação de excelência nas investigações que faz, e vida própria: é casado, come e bebe.

Comer e beber são atividades prazerosas desse comissário. As refeições são descritas nas novelas e as preferências da personagem são devidamente explícitas: seu aperitivo preferido é o calvados - um destilado à base de maçã, originária da Baixa Normandia, com denominação de origem controlada (como o champagne), e sua bebida é a cerveja. Mas o grande prazer do inspetor é a comida. Aliás, a Sra. Maigret muito citada mas poucas vezes em ação é exímia cozinheira.

Meu pai compartilhava com o inspetor o prazer da mesa e sua curiosidade foi aguçada numa das novelas em que Maigret se deliciava com um coq au vin, num pequeno restaurante no interior da França. E toca a pesquisar como fazê-lo. Acostumados que estamos em colocar no google o objeto de nossas pesquisas e recebermos, em segundos, várias páginas em que se menciona o assunto, não nos lembramos mais de como era fazer pesquisa em livros e bibliotecas.

Ocorre que minha avó materna teve um marido muito exigente com suas refeições - no mínimo três pratos salgados e duas sobremesas e D. Ilka dava conta do recado. Num dos livros herdados, cuja autora se chama Rosa Maria, da década de trinta, havia um Galo à moda de Bourgogne, como segue:

"Tome um galo novo, de boa raça e prepare (sal, limão, pimenta-do-reino). Deite numa panela 2 colheres de sopa de manteiga, alguns quadradinhos de toucinho fresco e leve a fritar para então juntar o galo, com um pouco de sal, pimenta do reino e um ramo de cheiro, e deixe fritar até ficar bem dourado. Polvilhe com uma colher de farinha de trigo, junte umas 30 cebolinhas bem pequenas, um copo de vinho Bourgogne, outro de água e deixe cozinhando em fogo brando por duas ou três horas. Junte algumas trufas ou champignons em rodelas. Arrume no prato os pedaços de galo, e deite no centro as cebolinhas e os champignons, com o molho grosso."

Houve outros livros, outras buscas, mas vocês não fazem ideia da delícia que foi sair com meu pai, comprar os ingredientes e testar a receita. Galo de verdade, nunca fizemos - usamos frango. Nem trufas, só cogumelos. Mas fica muito bom.

Simenon, Georges. A velha senhora. 1ª edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979.