sábado, 5 de novembro de 2011

Encadeamento


Minha vida também foi feita entre livros, menos raros e em menor quantidade do que a de José Mindlin, mas acho que vivi poucos dias em que não estive com um volume nas mãos.

Dia desses, aconteceu-me coisa curiosa, que diria coincidência se elas existissem.

Faz pouco tempo comecei a ler os autores africanos, introduzidos na minha dieta literária por meu filho, estudante de Letras, e acabei comprando dois romances de José Eduardo Agualusa. Estava lendo Nação Crioula quando tive de ir ao Rio e fiz uma visita a minha tia Marina que generosamente me ofereceu livros da biblioteca de meu falecido e saudoso tio Maurício.

Meu tio foi um grande leitor de variada literatura e quem me deu a primeira coleção de Machado de Assis, da Aguilar. Meio sem graça, mas com o coração batendo, fui separando umas obras aqui e outras ali até que me deparei com as completas de Eça de Queiroz, da Lello & Irmão – Editores, parecem-me que da mesma época, meados de 1920, de alguns volumes do mesmo Eça que pertenceram a meu avô materno e que ora estão com meu irmão mais velho. Só que meu avô comprou livros avulsos e os três volumes que ganhei de presente englobam todos os escritos de Eça, muitos dos quais nunca consegui ler. Era difícil achar obras de Eça no mercado brasileiro – só aquelas que constavam de listas de exames vestibulares, como O Primo Basílio, A Cidade e as Serras, O Crime do Padre Amaro, ou quando viravam minissérie de TV, como Os Maias.

Nação Crioula é um romance epistolar no qual Agualusa usa Fradique Mendes, personagem criado por Eça em Correspondência de Fradique Mendes, como seu personagem principal, que troca cartas com outros personagens, entre eles, o próprio Eça de Queiroz. Segundo alguns críticos, Fradique é, para Eça, uma espécie de ideal de homem do século XIX, tal qual ele gostaria de ter sido: culto, rico, viajado, experiente, aventureiro, com ideias próprias, por dentro sempre das novidades da ciência e da tecnologia.

Assim que terminei Nação Crioula, abri o volume das Obras de Eça de Queiroz, que generosamente ganhei de minha tia, e parti para a Correspondência a examinar a exatidão da re-criação de Agualusa.

O alinhavo vai, então, sendo feito: recebo livros de meu tio, que me servirão para alargar a leitura de um autor contemporâneo ao qual cheguei através de meu filho. Não é fora de série essa vida na literatura?

Mas aquele 25 de agosto reservou-me outra agradável surpresa: meus primos, que não via de longa data, foram lanchar na casa de minha tia e passamos boas horas conversando e comendo, sentados à volta da sempre hospitaleira mesa dos Couto-Bevilaquas. Embora minha ida ao Rio tenha-se motivado por um motivo triste – a morte de minha madrinha querida – constato que, às vezes, a vida nos faz chorar os mortos e os mortos nos aproximam dos vivos.


Mindlin, José. Uma vida entre livros. 1ª edição. São Paulo: EDUSP/Cia das Letras, 1997.

Agualusa, José Eduardo. Nação Crioula: a correspondência secreta de Fradique Mendes. 2ª edição. Rio de Janeiro: Gryphus, 2007.

Obras de Eça de Queiroz. s/e. Porto: Lello & Irmão Editores, s/d, 3 vol.

8 comentários:

  1. Bevi, adorei ler seu blog. Por favor, continue escrevendo. Sempre admirei muito você e vou gostar muito de poder ler seus comentários. Um beijo enorme da Ana

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  2. A-DO-REI ! Quantos encontros rendeu esta visita... Entre os primos, foi mesmo muito bom. Inclusive, descobri que temos uma certa coisa em comum... Mas vamos precisar de um novo encontro para esta revelação. :o)) Você escreve tão bem !!!!! Precisa elevar a produtividade do blog. Publica um livro ! Já pensou nisso ? EU iria na noite de autógrafos. Mais um motivo para outro encontro. Abração ! \o/

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Belo texto, prima. Concordo com a Andréa: você deve pensar seriamente em escrever (e publicar) um livro. Acho que seu gosto pela leitura foi herdado de sua mãe, minha querida Maria Clara. Precisamos nos encontrar novamente. Beijo carinhoso.

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  5. Não é só a Andréa que é sua fiel seguidora, também passo sempre por aqui. É um imenso prazer ler seus textos. Minhas irmãs já disseram e eu entro no coro: faça uma coletânea de seus textos e publique-os. Beijocas.

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  6. Cris, lêr seu texto, me despertou saudades de você e de minha mãe, que sempre trocava livros e idéias com a sua mãe, lembra? Quando terei o prazer de lêr um livro de sua autoria? Afinal nossa amizade já atravessa meio século! Beijos.

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  7. E o coro vai aumentando.
    Vamos tentar manter a mesa sempre rodeada de pessoas queridas. Temos que marcar outros encontros e relembrar outras histórias e fatos de nossa infância, adolescência... sentados em volta das mesas.
    Adorei o texto.
    Bjs

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  8. Querida (ex) professora e (nova) amiga,
    a vida e a literatura são mesmo cheias de encontros, não é? E eu, que tanto fui influenciada por suas leituras, agora aproveito essas suas palavras - tão gostosas de ler. E fico na torcida para que esse alinhavo nunca acabe!
    Um beijo,
    Paula

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